segunda-feira, 29 de agosto de 2011

"Políbio: veias abertas revelam a cidade" (Jornal O NORTE de 12 de junho de 2011)

A Reportagem "Políbio: veias abertas revelam a cidade" foi publicada no jornal O NORTE no dia 12 de junho de 2011. As fotos - espetaculares - são de Alessandro Assunção, a reportagem é minha e a edição é de Wagner Lima (que também colaborou com a vinculada "Alunos reverenciam Políbio"). Posto abaixo o texto que foi publicado: princial, vinculadas e aspas.

Políbio: Veias abertas revelam a cidade
Incansável na produção literária, Políbio, o poeta do Varadouro, é testemunha de uma cidade histórica

Cecília Lima // cecilialima.pb@dabr.com.br

Em 1914, o poeta Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Alberto Caeiro, prestou reverência à sua terra natal ao escrever que o Tejo - principal rio da nação portuguesa - não era mais belo que o desconhecido rio que corria pela sua aldeia. Em 1989, o pessoense Políbio Alves publicou um trabalho que demorou dez anos para ser concluído: Varadouro, livro-poema de 77 páginas. O livro retrata as impressões de um escritor sensível que soube transfigurar para o papel a alma do bairro em que cresceu. Políbio Alves canta um rio e uma aldeia, o Sanhauá e o Varadouro, e faz isso com a singularidade de quem conhece aquilo que exalta.
Varadouro coleciona publicações em diversos países, fato que contrasta com o pouco reconhecimento que possui na Paraíba, mas isso deve mudar a partir deste ano. A obra está sendo estudada por 70 mil estudantes de escolas municipais de João Pessoa, como parte da programação do Ano Cultural Políbio Alves promovido pela prefeitura da Capital. Políbio confessa que demorou a acreditar na homenagem. "Meu trabalho nunca foi muito reconhecido na Paraíba e agora ver o livro ser interpretado por crianças e adolescentes me emociona muito. Considero uma experiência incrível".


Sanhauá: memória e inspiração

O escritor nasceu em João Pessoa há 70 anos, em Cruz das Armas. Órfão de pai aos 4 anos, mudou-se com a mãe e os irmãos para a Ilha do Bispo e posteriormente para o Varadouro. "Aprendi a ler com minha mãe que trabalhava como enfermeira nas caridades do Padre Zé Coutinho e lutava para nos sustentar". O escritor conta que desde criança habituou-se a ler tudo o que via pela frente. "Aprender a ler foi uma forma de libertação. Os livros me davam o poder de sonhar, coisa que me era negada pela realidade perversa em que eu vivia".
Políbio Alves tem quatro livros publicados: O Que Resta dos Mortos, Exercício Lúdico - Invenções de Armadilhas, Passagem Branca e o épico Varadouro. "Nunca me apeguei a rótulos e escrevi Varadouro sem saber que estava fazendo. Só depois especialistas me informaram que se tratava de um 'épico', um gênero que se caracteriza por narrar a saga de um herói. Em Varadouro, o herói é o rio Sanhauá". O poeta afirma ter uma relação visceral com o bairro e com o rio. Políbio ousou escrever sobre aregião, considerada maldita por abrigar cortiços e bordéis. Ele próprio, aos 10 anos, chegou a morar de favor nos fundos de um prostíbulo na Rua Maciel Pinheiro.
Varadouro se tornou objeto de pesquisa de várias pós-graduações em Literatura no Brasil e no exterior. A pesquisadora Roselis Batista Ralle da Universidade de Reims, na França, defende a tese de que a obra inaugura um novo gênero literário pós-épico, por se diferenciar no resgate de uma "heroicidade" que não usa mais a roupagem do passado, mas registra aspectos da época em que foi escrito. Políbio Alves foi morar no Rio de Janeiro em 1965, onde se formou em Ciências Administrativas e passou em um concurso para o Ministério do Trabalho. "Eu quase fui mendigo no Rio, cheguei apenas com uma mala de papelão e o equivalente a vinte reais". O paraibano foi morar na Casa do Estudante e passou a fazer refeições no Calabouço, restaurante estudantil que serviu de palco para diversas manifestações contra a ditadura. Mesmo sem ser comunista, Políbio foi presoem 1968. Os maus-tratos sofridos na prisão o obrigam a fazer tratamentos médicos até os dias de hoje.
Por trás de Varadouro existe um escritor versátil e produtivo. Políbio Alves prepara o lançamento de Os Objetos Indomáveis, coletânea de poemas que deve ser publicada em outubro deste ano. Em 2012 devem ser publicados dois romances: A Leste dos Homens, escrito em 1980, traça um paralelo entre os anos de chumbo no Brasil e a ilha de Cuba antes da revolução socialista, e A Traição de Hemingway, que conta a história de um escritor brasileiro que vai a Cuba se encontrar com Ernest Hemingway. Enquanto Políbio Alves aguarda pacientemente ter seus textos conhecidos na cidade em que nasceu, sua obra ganha o mundo e eleva o nome dos paraibanos sem que o próprio Estado saiba dos prodígios de seu filho ilustre.


Alunos reverenciam Políbio
(Wagner Lima)

O Rio Sanhauá, o Hotel Globo e a Igreja de São Franscisco. Símbolos que compõem um pano de fundo da obra de Políbio Alves. Com o projeto O Futuro visita o Passado, os alunos conheceram o Centro Histórico e agora veem a possibilidade de "navegar" pelas poesias. Aos 12 anos, o aluno da Escola Municipal Aruanda, David Medeiros espera vivenciar no teatro as histórias literárias. "O teatro é divertido e faz a gente imitar as pessoas". Mas, ele conhecia o Varadouro até a visita escolar? "Só meus pais conheciam. Eu fui no ano passado. É um lugar de arquitetura antiga e móveis bonitos". Matheus Calleb, 12, prefere falar do rio. "O Sanhauá e aquela paisagem são bonitos. Gostei do formato das casas".
Jeferson Souza, 12, e George Ferreira, 12, tem em comum o gosto pela poesia. Para Jeferson "poesia como a de Políbio é o que mais gosto porque tem rima e dá para aprender várias coisas". George acha "interessante aprender mais sobre a cidade". Até outubro todos os alunos da rede municipal irão apreciar, discutir e produzir em sala de aula poesias como parte do Ano Cultural Políbio Alves 2011. É a oportunidade das novas gerações "desentupirem" as veias da Cidade Velha.


"Veias" abertas

Influências literárias
"Quando criança, eu era ávido por leitura e não havia ninguém que me indicasse livros compatíveis com minha idade, então eu fui lendo tudo o que encontrava. Guardo um hábito que criei nesta época, que é o de ler um livro com um dicionário ao lado. Quando leio uma palavra que não sei o significado eu não passo para outra página sem desvendá-la. Sobre minhas influências, posso dizer que um livro que marcou minha juventude foi Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe, obra do período romântico na Alemanha. Aquela triste história de amor me tocou profundamente. Hoje sou um grande admirador da obra de Jean-Paul Sartre, a quem tive a oportunidade de conhecer no Recife nos anos 60. Além dele gosto de Albert Camus e também dos brasileiros Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade e Caio Fernando Abreu".

O Rio Sanhauá
"A cidade de João Pessoa está intrinsecamente ligada ao Sanhauá, assim como a minha. Com uns 10 anos eu ia pescar no rio. Não era um lazer, era necessidade mesmo, precisava levar comida para casa. Naquela época os pescadores contavam muitas lendas, diziam que para tirar algo do rio era preciso levar oferendas para as sereias, o Pai do Mangue e outras entidades que moravam lá. Eu entrava no rio morto de medo porque nunca tinha nada a oferecer, eu já ia lá para buscar! Uma vez eu afundei na lama e pensei que fosse morrer, que um monstro daqueles ia me levar para o fundo do rio, mas era só areia movediça e conseguiram me tirar de lá".

Cuba
"Minha obra chegou a Cuba pelas mãos da pesquisadora e crítica literária paraibana Elizabeth Marinheiro. No início da década de 90, recebi uma carta que pedia a autorização de uma tiragem de Varadouro para compor o acervo da Casa das Américas. Eu autorizei naquele mesmo instante e eles traduziram e publicaram não só Varadouro como também O Que Resta dos Mortos. Em 1995, eu visitei a ilha pela primeira vez e vi que aquele ambiente tinha muito a ver com o que eu vivi. Muitas pessoas até me perguntavam se Varadouro tinha alguma relação com a cidade cubana de Varadero, pois encontravam características comuns. Voltei outras vezes lá e é um lugar de que gosto muito, onde meu trabalho é respeitado. Gosto tanto de Cuba que escrevi que a trilogia A Leste dos Homens, A Traição de Hemingway e Havana Vieja: olhos de ver se passam lá.

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