sábado, 24 de setembro de 2011

Primeiros capítulos e O Que Resta dos Mortos

Acho que agora peguei, de vez, o embalo. A parte de apuração foi cansativa. Entrevistas e transcrições tomaram muito tempo e eu já estava ficando preocupada com o prazo final. Mas vejo agora que está dando tudo certo. De posse das informações necessárias, a escrita está fluindo bem. Já tenho um esboço (mental) do que cada capítulo vai tratar. Hoje, tenho o primeiro capítulo concluído e estou redigindo o segundo. Importante: já sei como o livro vai terminar!

Estou animada e tendo várias ideias. Vez por outra faço anotações no meio da rua, dentro do ônibus... As ideias estão se desenvolvendo, ainda bem. Aquele meu esquema de escrever a parte literária primeiro e a jornalística depois furou. Eu mesma me sabotei. Estou escrevendo o texto corrido mesmo.

Eu já falei isso aqui, mas não canso de repetir o quão fascinante a história de Políbio é. Digna de um romance, de fato. Meu intento é bem mais humilde, não almejo ser uma biógrafa dele. Gostaria muito que alguém um dia filmasse essa história. Enquanto escrevo o livro, imagino-o como um filme. Cena a cena, muitas vezes. Vou tentar transmitir um pouco dessa narrativa "fílmica" no livro. Vamos ver no que vai dar.

***

Uma outra coisa está me ajudando a escrever, além das quatro horas de entrevista. No nosso último encontro, Políbio me deu O Que Resta dos Mortos de presente. Esse foi o primeiro livro que ele publicou na vida. Eu nunca tinha lido a prosa do escritor, e, confesso, demorei um pouco a me acostumar.

O primeiro impacto é em relação ao formato. Parece-me que Políbio escreve como fala, apressadamente. O autor não se prende aos formalismos gramáticos de nossa língua. Coloca vírgulas onde bem entende, faz economia de pontos e estende os períodos a frases de muitas linhas. Parágrafos? Às vezes leio mais de cinco páginas sem ver um. Esse estilo, com o tempo, o leitor se adapta.

O conteúdo causa estranhamento maior, eu diria. Não tem pudor, nem tabus ao falar de sexo, prostituição, taras. Mas é de uma elegância que eu raramente li. Roselis Batista Ralle, a linguista de quem eu já falei aqui, diz que a literatura de Políbio é de uma sensualidade sutil que até o Papa pode ler.

Quando, em nossas conversas, Políbio falava que gostava de espantar o leitor, ele estava sendo verdadeiro. Quando falava também que não gosta de entregar os fatos de mão beijada, também estava sendo verdadeiro. Os seus contos nunca são determinantes, sempre deixam no ar a dúvida se aquilo realmente é o que você está supondo e mais: se aquilo, de fato, aconteceu com ele, já que escreve em primeira pessoa. Algumas coisas, acredito, sejam auto-biográficas, outras eu tenho dúvidas. Dúvidas, quanto mais eu leio O Que Resta dos Mortos mais as tenho!
Fragmento do primeiro conto do livro ("Exposição do Corpo"):
[...]
"Ou talvez, me conduzisse àquela hora ao camuflado formigueiro da minha pele onde descubro que é preciso urgentemente repelir suas mãos pousadas sobre as minhas - espécie de bruxa, sem qualquer clemência à ereção do meu corpo - habitualmente amestradas, às escondidas, ali mesmo, na rusticidade dos meus pêlos, porventura mais sedosos de suor. E trêmulos. Tudo matéria de solidão. E mais, às voltas, toda essa parafernália de cacoetes. Assim, os lábios molhados de cuspe, soltando a língua na enxurrada de palavras obcenas. Essas, tão intensas, para que a minha subterrânea e enorme tristeza não se convulsione implacável sobre as criaturas."
A leitura não é fácil, mas me mantém presa. E surpresa, sempre.

Um comentário:

  1. Pela tua descrição, de fato pareceu meio Saramago... esse tipo de leitura que deixa a pessoa meio sem respirar - pela perplexidade do assunto, pela estrutura do texto e pelo desafio de compreender. Quero ler!
    (Mensagem protocolar de acompanhamento)

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